Breve Reflexão




EUROPEIAS

Três deputados europeus eleitos. Cá está a terrível esquerda nos corredores de Bruxelas. Sejamos realistas: Deixamos de ser, definitivamente, simpáticos aos olhos da informação e dos comentadores engravatados – convenhamos que a gravata é o único estatuto que os avaliza e os torna comentadores clássicos e convenientemente formatados pela comunicação vigente. Na noite eleitoral houve um que, com uma espécie de ataque de apoplexia gritava: “ Já vão outra vez para a sede do Bloco de Esquerda? Até parece que foram eles que ganharam as eleições”.

Este resultado deve ser exemplar para a esquerda europeia. A globalização obriga-nos a enquadrar-nos numa perspectiva internacionalista. O nosso exemplo de esquerda plural, democrática e socialista, capaz de ter óptimos resultados eleitorais e de combater pela justiça em toda a sua dimensão económica, política e social, deve estender-se de forma solidária e fraterna pela Europa. Os maus exemplos como o de Itália, onde o enquadramento institucional levou ao desaparecimento daquela que parecia uma esquerda popular e socialista, devem conservar-se na nossa memória como irrepetíveis.

LEGISLATIVAS

Reitero a minha autocrítica por não ter participado de modo consistente e continuado em anteriores campanhas eleitorais. A ida a Lisboa, naquela que foi anunciada como a maior iniciativa da história do Bloco, foi o toque mágico para passar a colaborar intensamente nas campanhas. A emoção e a agitação contagiante, provocou arrepios e lágrimas desde a tribuna até aos confins da sala Tejo. O adormecido espírito revolucionário regressava em maré alta, ao som de “está na hora de fazer a luta toda” acompanhado pelo colorido das bandeiras esvoaçantes. Isso mesmo: A LUTA TODA!

No acto eleitoral a justeza da luta toda estava lá – duplicação do número de deputados. Apesar dos lapsos e equívocos na última semana, debate com Sócrates, PPR e peixeiras, que talvez nos fizeram derrapar ligeiramente, a duplicação deveu-se à coragem e correcção da nossa grande proposta: FIM DA MAIORIA ABSOLUTA. Não foi só a visibilidade televisiva do grupo parlamentar que fez aumentar o nosso número de votos. Foi essencialmente a forma decidida e determinada como lutamos na rua pela justiça na economia, pelo direito à educação e saúde, contra o código do trabalho, contra a avaliação dos professores, contra a desagregação do serviço nacional de saúde, contra o tratamento dado aos refugiados marroquinos, contra a violência doméstica, contra … Fizemos a luta toda. Fomos a esquerda da marcha pelo emprego, a esquerda de confiança, a esquerda de combate, a esquerda popular e socialista. No parlamento demos maior visibilidade a esta luta, mas essa visibilidade não seria possível se não estivéssemos na rua. A esquerda fica grande, muito grande, na rua.

A estratégia definida e moldada em torno da luta contra a maioria absoluta foi bem delineada e conseguida. Faltou dar resposta a algumas provocações de direita, nomeadamente a de Portas sobre a Albânia. Ficou claro no discurso de Louça a incompreensão pela importância que estava a ter a intervenção de Paulo Portas, generalizada a todo o Bloco, ao afirmar que a direita está derrotada, após a inventona de Belém, e que o importante era derrotar a maioria absoluta. Atingimos aquilo a que nos propusemos: mais de meio milhão de votos, dezasseis deputados. O discurso de Louça, arrogante e despropositado, na noite eleitoral, poderá ter tido efeitos nefastos no acto eleitoral posterior, em função dos comentários ouvidos na opinião pública. Foi uma pequena nódoa na festa eleitoral da esquerda grande.

AUTÁRQUICAS

Esta esquerda nunca percebeu o processo nem o interesse autárquico. A necessidade de aprender não justifica a ausência de estratégia e tácticas pontuais. Na convenção decidiu-se que não haviam alianças. O que foi decidido está decidido. A conjuntura, que até pode ser diferente passado um mês, não interessa. Esta atitude, se assim é ou se assim foi, obedece a um princípio institucional ou convencionalista, a roçar o dogmatismo frouxo e burocrático, que nada tem que ver com a esquerda que temos vindo a construir. Um camarada disse-me, porque reconheço que nunca dei grande importância às autarquias, que o importante é estar lá. Isto significava que o importante era termos vereadores, para conhecer por dentro tudo que é dossier, projecto, jogada de bastidor. A importância passa pela aprovação ou pela denúncia. Dá visibilidade ao partido.

Em Lisboa e Porto falhamos os objectivos. Estrategicamente apontamos para a eleição de vereadores e combate à maioria absoluta. Louça esteve no Porto e Lisboa com o mesmo discurso das legislativas contra a maioria absoluta. Em Lisboa, nas anteriores eleições autárquicas tal como apoiamos Sá Fernandes deixamos de o apoiar. Sem grandes explicações para justificar o apoio, tal como sem grandes explicações para justificar a retirada de apoio. Só por si o apoio pareceu envergonhado. O reaparecimento do tal “velho general estouvado” Santana Lopes, fez juntar várias vozes bem conhecidas em torno de António Costa. Um forte movimento popular começou a manifestar-se contra a possibilidade do regresso do estouvado, pois percebeu a perigosidade da demagogia e maleabilidade que este demonstra no terreno. Com Roseta ou sem Roseta, com Fernandes ou sem Fernandes, deveríamos ter estado neste movimento e ter exigido a eleição de dois vereadores. Um acordo, repito, com Costa para aprovar ou denunciar com conhecimento directo da causa. O voto popular revelou desacordo pela falta de unidade.

No Porto, face à debilidade da candidatura de Elisa Ferreira, até em desacordo com a estrutura local do partido da senhora, uma aliança seria incomportável e inadequada às nossas pretensões. Será necessário criar no imediato um movimento anti-Rio. Um forte movimento popular que conduza à elaboração do livro negro da actuação “Rio”, onde se escreva para ficar na memória dos portuenses as atrocidades cometidas e que permita defender os interesses públicos das garras dos privados.

No que concerne a Matosinhos, entendo que a estratégia adoptada pelos camaradas presentes na reunião da decisão, conduziu a um certo amorfismo e tristeza. Retirou o necessário espírito combativo, aguerrido e felino que caracteriza o Bloco. Errar na estratégia ou na táctica a adoptar é legítimo, mas não discutir como a campanha estava a decorrer para podermos corrigir o que eventualmente estava mal é absolutamente inadequado. Não considerando a intervenção nos órgãos de comunicação local, toda a restante campanha foi nula quanta à demarcação e denúncia dos outros candidatos. Realço a disponibilidade e entrega de muitos camaradas nas acções de propaganda e colagem de cartazes. Deveriam ter sido feitas reuniões para que todos pudessem opinar sobre o estado da campanha. A arruada musical foi o grande momento da nossa campanha. Merecíamos mais arruadas por todo o concelho. Fez lembrar os contagiantes momentos de alegria do “25 de Abril”, em que nos embrenhávamos entre o povo com a vontade inebriante de cantar e dançar em liberdade. As pessoas acorreram às portas curiosas e ficaram com um imenso sorriso a inundar-lhes o rosto. Uma campanha diferente para uma política diferente. A liberdade andava por aí.

IMPLANTAÇÃO/TRABALHO DE BASE

Acredito que seja importante a organização em torno das estruturas autárquicas. Na Assembleia Municipal e nas Assembleias de Freguesia, a presença de um grupo de estudo e de análise poderá ser importante. O apoio ao camarada eleito pela Senhora da Hora não pode ser descurado. Daqui poderá resultar uma folha autárquica a distribuir pela imprensa e pela população do concelho. Todo este trabalho não chega para dar frutos futuros. Ajudará mas não chegará.

O trabalho junto de associações culturais, recreativas, desportivas, moradores, ambientais, também terá de ser uma forte componente de implantação do Bloco. Conhecer e divulgar os seus problemas, ajudando a resolvê-los será uma importante tarefa. O passeio “cicloturistico” proposto por um camarada, será interessante para a divulgação das lutas que o Bloco trava. Serão acções de rua, de bairro, em associações populares que nos darão visibilidade. As arruadas musicais invadindo cidades, freguesias e bairros, chamando a população para conversar connosco e propondo sessões públicas para falarmos dos problemas, poderão resultar. Dos problemas locais e nacionais. Podemos organizar jornadas de luta. Se em cada sessão aparecerem cinco, será um êxito. Se ficarem dois como aderentes, e os restantes como simpatizantes, então seremos enormes. Seremos a esquerda grande, a esquerda que junta forças.

Lutemos com firmeza contra a “institucionalização” do Bloco. Lutemos com determinação contra a ideia do encerramento entre paredes, esperando que a comunicação social divulgue os nossos escritos ou as imagens parlamentares. Contra o “cinzentismo” levantemos a bandeira da criatividade; contra a burocracia calcorreemos as pedras da rua com o sentimento de luta e de liberdade. Se isto é “folclore”, que o seja mas do genuíno com reconhecidas tradições populares.

Como esquerda de confiança, os camaradas ou aqueles que votam em nós, confiam que somos o porto de abrigo da sua revolta, do desejo de mudança, ou então uma espécie de amante onde podem aconchegar-se e abraçar ideias. Somos a esquerda da mudança, da mudança com paixão, em suma: da revolução.

Pedro F. Martins Pereira





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